É nesse contexto que surge o primeiro jornal paulista que, desde então, teria grande importância, primeiro local, mais tarde nacional. A fundação, em 1875, de A Província de São Paulo, que com o advento da República passaria a se chamar O Estado de S. Paulo, refletiu a expansão de uma classe econômica, a dos cafeicultores. Eles tinham dinheiro, mas sua voz não era ouvida além das fronteiras do estado – daí a necessidade do jornal. A Província nasceu republicana, mas estabeleceu de saída a diferença em relação ao movimento na capital federal. Enquanto no Rio intelectuais e funcionários públicos privilegiavam o abolicionismo, os fazendeiros de São Paulo davam ênfase ao federalismo.
Saudada com otimismo, como se fosse o limiar de tempos mais arejados, a República não correspondeu à expectativa de um regime mais aberto. Não, pelo menos do ponto de vista da liberdade de imprensa. Embora ela continuasse assegurada pela Constituição republicana, uma série de leis restritivas e sucessivos estados de sítio restringiram a atividade nos anos 1920.
A Gazeta (à esq.), durante o Estado Novo, e Última Hora (à dir.), na década de 1950, prosperaram graças à proximidade com o governo de Getúlio Vargas
Entre as vítimas, figuravam inevitavelmente os jornais anarcossindicalistas dirigidos aos operários imigrantes, que representavam expressiva parcela da população de São Paulo. Os jornais tradicionais, porém, também enfrentavam problemas com o governo. Além do Estado, a Folha da Noite, nascida em 1921, e a Folha da Manhã, de 1925, que mais tarde dariam origem à Folha de S. Paulo, passaram a apoiar o Partido Democrático, uma dissidência do Partido Republicano Paulista. O movimento tenentista se encontrava em ebulição, e a imprensa via com simpatia a pauta dispersa de reivindicações dos militares de baixa patente, como a exigência do fim da corrupção e eleições sem os vícios típicos da República Velha.
Cooptação e repressão
Tal insatisfação seria o pano de fundo da deflagração da Revolução de 1930. Como na época da Proclamação da República, o ambiente político foi contagiado pelo otimismo de que, agora sim, novos tempos estariam nascendo. E, como na República, o otimismo deu lugar à decepção das elites econômicas. O chamado Governo Provisório de Getúlio Vargas não demorou a demonstrar que podia ser tudo, menos provisório. São Paulo se sentiu traído e, em 1932, fez a Revolução Constitucionalista, com o incentivo irrestrito da mídia local. Vários membros da família Mesquita, proprietária do Estado, alistaram-se. E o radiojornalismo, que surgiu nessa ocasião, na Record, mobilizava a população.
São Paulo foi militarmente derrotado, mas continuou a crescer em termos econômicos, o que solidificava a estrutura industrial das empresas de comunicação. A situação da imprensa paulista seria logo impactada pela ditadura do Estado Novo, a partir de 1937. Getúlio Vargas inaugurou uma política baseada na dicotomia repressão-cooptação. Os veículos que não se dobraram sofreram intervenção: foi o caso do Estado. Outros preferiram o silêncio, como a Folha, que voltou seu noticiário para assuntos agrícolas. Muitos, por fim, cederam à tentação dos favores oficiais e construíram as bases de futuros impérios, como a cadeia dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, ou, em menor escala, A Gazeta, de Cásper Líbero.
(C) EDER CHIODETTO/FOLHAPRESS
Manifestantes pedem o impeachment de Fernando Collor em São Paulo no início dos anos 1990. Os jornais e revistas do estado desempenharam um papel central na eleição e no afastamento do presidente
Finda a ditadura, em 1945, o hiato democrático das duas décadas seguintes seria marcado pela Guerra Fria. No mundo, Estados Unidos e União Soviética mediam forças em torno dos projetos capitalista e comunista. No Brasil, tal confronto ganhou cores tropicais: de um lado o conservadorismo da UDN (União Democrática Nacional), de outro o populismo do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
A grande imprensa era esmagadoramente udenista. Para ter uma voz a seu favor, o agora presidente eleito Getúlio Vargas incentivou Samuel Wainer a criar seu próprio jornal, o Última Hora. Nascido no Rio, o periódico ganhou uma versão paulista a partir de 1952. A virulência dos veículos tradicionais criou um clima de instabilidade, contribuindo para o desfecho conhecido, o suicídio de Vargas em 1954. A campanha antipopulista só cessaria com o golpe militar de 1964, apoiado pela grande imprensa.
A ditadura militar obrigou os jornais paulistas a mostrar o que tinham de pior e de melhor. Para começar, o apoio ao golpe contra João Goulart – um presidente que, por mais que possa ser criticado, exercia seu mandato de acordo com a Constituição – não foi defendido apenas em artigos e editoriais. Na sede do Estado, o golpe era tramado junto com militares que logo assumiriam o poder. O jornal, no entanto, passou depois a criticar o novo regime e enfrentou de maneira heroica e criativa a censura, publicando trechos de Os lusíadas, de Camões, para denunciar o material cortado pelos censores.
A Folha descreveu movimento semelhante. O jornal não se envolveu tão diretamente no golpe mas, quando a repressão aumentou, depois de 1969, desempenhou um papel lamentável. Ter aceito a censura foi o mal menor. O pior foi a Folha da Tarde, editado pela mesma empresa, passar a glorificar a ação praticada nos porões da ditadura, cujos agentes chegaram a utilizar carros do grupo. E, no entanto, no momento seguinte, o jornal surgiu como ponta de lança da distensão política proposta pelo governo, iniciativa que desaguaria na transição democrática. O lance da Folha se deu em dois tempos: primeiro, a partir de 1974, ao apostar em um projeto pluralista, abrindo suas páginas à sociedade civil; segundo, a partir de 1983, ao liderar o movimento das Diretas-Já, o começo do fim da ditadura militar.
Fernando Collor, o primeiro presidente eleito depois da ditadura, constitui um caso único de relacionamento pendular entre governo e imprensa. Político desconhecido, foi eleito em grande parte devido à campanha da mídia, que nele identificou o melhor candidato anti-Lula. Mas o desastre político de sua gestão – do sequestro da poupança popular para combater a inflação às acusações de corrupção, passando pelo desprezo das forças no Congresso – levou a imprensa a “desconstruir” sua figura pública.
O protagonismo da imprensa paulista foi fundamental. As duas principais revistas editadas em São Paulo, Veja e IstoÉ, forneceram a matéria-prima para o processo de condenação pública de Collor. A primeira trouxe ao conhecimento público o rol de acusações numa entrevista com um irmão do presidente; a segunda lhe deu o golpe de misericórdia ao apresentar a testemunha que o ligava ao esquema de corrupção comandado pelo tesoureiro de sua campanha. Quanto aos dois principais jornais de São Paulo, Estado e Folha, jogaram o peso institucional de seus editoriais em um pedido simultâneo de impeachment, que não demorou a ser atendido.
Tucanos X Petistas
De lá para cá, a imprensa oscila entre a polarização e a convergência. A primeira é mais visível: os últimos quatro mandatos presidenciais foram igualmente divididos entre coligações lideradas pelo PSDB e pelo PT. A imprensa refletiu esse antagonismo. A maior parte da grande imprensa, mais conservadora, alinhou-se aos tucanos em momentos-chave. Quanto ao PT, ficou com o apoio de publicações como Carta
Papel lamentável: durante a ditadura a Folha da Tarde mostrou o que a imprensa paulista tinha de pior ao apoiar abertamente a repressão e até ceder carros para os agentes do regime
Capital e Caros Amigos e, sobre-
tudo, de blogs com eficiente capilaridade entre as comunidades virtuais.
Já a convergência é elusiva. É inegável, porém, que ganha força a percepção, na imprensa, de que há certa convergência entre as duas forças políticas dominantes. Em que pesem as ambições pessoais de cada lado, o que impede uma aproximação, os projetos políticos não são discrepantes em seus aspectos essenciais. Fernando Henrique Cardoso colocou na agenda nacional a estabilização econômica, algo preservado por Lula e agora por Dilma. Lula fez o mesmo com a preocupação social, e os tucanos se esforçam para empunhar essa bandeira.
Polarização: capas das revistas Veja e IstoÉ durante a campanha presidencial de 2010 mostram como o antagonismo entre PT e PSDB se reflete nos meios de comunicação
No varejo, é possível contabilizar muitos casos recentes de excessos, sobretudo na cobertura das eleições presidenciais. Nada, no entanto, é comparável ao vale-tudo daquele hiato democrático entre o Estado Novo e a ditadura militar. Só uma perspectiva irremediavelmente nostálgica pode identificar vibração no que não passava, no mais das vezes, de irresponsabilidade.
Um olhar em retrospecto é útil exatamente para mostrar que a imprensa paulista evoluiu ao longo das últimas décadas. Hoje, os grandes grupos são reféns do marketing da imparcialidade como meta, que tiveram de encampar como resposta a uma sociedade que exigia um tratamento pluralista da informação. Se a meta ainda está distante e se há muita retórica por parte da mídia, é preciso reconhecer que não falta disposição para trilhar tal caminho e que a retórica não é vazia.